Pensar faz bem.

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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Crônica


PILOTANDO UM MONOMOTOR

    Pensava já com cabeça de adulto; afinal, cria ele que casado e aos 51 anos se um homem não estivesse consciente do que queria, provavelmente não haveria mais tempo para isso. Depois de experimentar trabalho em oficinas mecânicas, alguns empregos públicos, acabou identificando-se com a sala de aula, e estava ali um professor dedicado, dando suas aulas semanais de Inglês e Português. Porém, como todo ser humano, havia aquelas horas em que a cabeça divagava em pensamentos e buscava no passado da juventude; aquela vontade de ser piloto de avião e aguçando sua imaginação conseguia ver-se  pilotando e passando  sobre prédios, montanhas, mares, enfim, uma viagem fabulosa. Nas aulas de Inglês, sempre levava textos que falavam sobre aventuras no espaço; e quando havia letras de música eram sempre sobre aviões, por sinal a semana passada levou para escola a canção “Back in the U.S.S.R” (de volta a União Soviética) dos Beatles. Quando ouvia a canção sonho de Ícaro de Biafra,  desenhava na imaginação toda a trajetória da canção. Naquele ano, foi convidado pelo primo de mais condição para nas férias ir até sua fazenda e descansar um pouco. Por mais de uma vez, o professor recebera a mesma proposta, mas sempre se desculpava explicando a ilimitada carga de trabalho que é legada a esta classe  importante e tão pouco valorizada. Porém, desta vez planejou com a esposa toda a viagem, encheu-se de felicidade porque iria pela primeira vez entrar em um avião e finalmente, embarcaram no dia 06 de Julho de mala e cuia. Dentro da aeronave a imaginação do professor fervilhava e chegava a se ver na cadeira do piloto conduzindo aquela máquina e realizando seu antigo sonho. Pouco conversava com a esposa e esta de vez em quando chamava-o a atenção por  conta da distração e silêncio. Chegando à casa do primo e já acomodado nos seus aposentos, esperou amanhecer para dar uma volta e conhecer os ambientes da fazenda. O dia parecia pequeno para tanta curiosidade e beleza; criações diversas de animais, plantas, até que já no finalzinho da tarde, algo o deixou fascinado:  um monomotor que acabava de pousar, trazendo o veterinário da fazenda e mais dois ajudantes que vieram para realizar o acompanhamento de rotina. Motivado com a empolgação do professor, seu primo prometeu que no dia seguinte pela manhã iria dar uma volta com ele no monomotor. Maravilhado com a possibilidade de entrar dessa forma em um avião, e já se sentindo um piloto de tanta ansiedade, o professor foi até o hangar onde o monomotor ficava guardado, mexeu em alguns equipamentos e adentrou à máquina. Puxa uma alavanca daqui, aperta um botão de lá, deu partida na aeronave e lançou-se nos ares. A princípio tudo tranquilo, parecia até já ter pilotado antes, passou por sobre as montanhas como sonhava, viu o gado lá embaixo bem miudinho e o verde geral. Ouvia o barulho do avião, mas percebeu que havia algo estranho. O ronco do motor ia aumentando e ao mesmo tempo perdia altura, ficou em pânico. Pessoas lá embaixo acenavam para que ele parasse. Conseguia ver sua esposa lá embaixo esbravejando, mas não dava para ouvir nada. A perda de altura continuou e mesmo tendo mexido em vários botões e alavancas buscando alguma forma para pousar, não conseguia. De repente o avião cai e sem tempo de pensar em nada sente uma pancada nas costas com força. Uma fala em voz alta ao seu ouvido ecoava. Sua esposa que após dar-lhe um tapa nas costas dizia: -Vê se para com este ronco rapaz, que horas eu vou dormir? O professor sorriu e respondeu aliviado: obrigado amor, você acaba de salvar minha vida.



                                    José Holanda Oliveira

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